É certo que nas relações privadas, o contrato, depois de celebrado, faz lei entre as partes, salvo se contrariar preceitos de ordem pública. Dessa forma, depois de pactuados os termos do contrato, as partes devem honrar com suas obrigações ou responderão pelo seu inadimplemento.
A pergunta que se faz, em tempos de pandemia, é se o comerciante, o lojista, o empreendedor, que depende do fluxo de pessoas para movimentar o seu negócio, pode recorrer ao judiciário para requerer a revisão do aluguel em razão da situação de excepcionalidade causada pela pandemia de Covid-19. Se a pandemia causou, de forma direta, uma situação de desequilíbrio financeiro que impossibilite a continuidade do pagamento dos alugueis, é sim possível recorrer ao judiciário na tentativa de reequilibrar a relação.
Mas como assim? O dono do imóvel deu causa a essa situação? Então por que deveria sofrer o ônus dessa situação?
Vamos lá!
É importante não perder de vista que o contrato de aluguel, assim como tantos outros tipos de contratos de direito privado, como a compra e venda, troca ou permuta, dentre outros, são comutativos, ou seja, existe uma relação de equivalência, de equilíbrio entre a prestação (vantagem) e a contraprestação (sacrifício). Além disso, são de execução continuada, ou seja, são cumpridos por meio de prestações sucessivas, na forma de alugueis mensais. Aliás, geralmente os contratos de locação comercial são de longo prazo, geralmente de 5 anos.
Sendo um contrato comutativo, no momento da celebração, ambas as partes possuem o conhecimento acerca da prestação e da contraprestação envolvida naquele negócio. Se a prestação e a contraprestação fossem diferentes, talvez não houvesse a celebração do negócio. Mas e se essa relação entre prestação e contraprestação se modificar durante o curso da execução do contrato?
Se houver desequilíbrio provavelmente uma das partes irá requerer a rescisão do contrato antes do término previsto, mas certamente acabará tendo que arcar com algum tipo de penalidade contratual como imposição de multa rescisória. Afinal, uma das obrigações do contrato é cumpri-lo até o final, sendo que a rescisão do contrato antes do tempo estipulado também implica em penalidade como a multa. Isso sem contar com o prejuízo que irá sofrer caso tenha feito algum investimento no local que necessitasse de mais tempo para ser recuperado.
E o que fazer então?
Em primeiro lugar é preciso entender de que forma a legislação civil trata essa situação.
A primeira saída é tentar renegociar o contrato com o proprietário do imóvel, requerendo a diminuição do valor das prestações. Mas qual o fundamento jurídico para isso?
O artigo 317 do Código Civil, traz em seu texto a aplicação da chamada "Teoria da Imprevisão", pois admite de forma expressa a possibilidade de correção do valor da prestação pela via judicial, sempre que sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação estabelecida contratualmente e o do momento de sua execução (ou pagamento).
Trata-se da chamada revisão contratual, a qual é perfeitamente adequável às locações que tiveram suas condições de execução modificadas por alteração na condição econômica do contratante em decorrência das consequências da pandemia.
São 4 os requisitos para a aplicação da Teoria da Imprevisão: (1) o contrato deve ser comutativo de execução diferida ou continuada; (2) no momento da execução/pagamento, deve ter havido alteração das circunstância fáticas vigentes à época da celebração do contrato; (3) essa modificação fática deve ter sido inesperada e imprevisível; e (4) a alteração deve ter promovido um desequilíbrio entre as prestações.
Mas e se não for possível a diminuição do valor dos alugueis?
Deve-se então pleitear a resolução do contrato sem o pagamento de multas!!!
Explico:
Os artigos 478 e 479 trazem o preceito da resolução contratual por onerosidade excessiva. O art. 478 estabelece que nos contratos de execução continuada ou diferida (que é o caso do contrato de aluguel), se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (que é a situação da pandemia de Covid-19), poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Já o art. 479, à luz do princípio da conservação dos negócios jurídicos, estabelece que a resolução poderá ser evitada se o contrato for revisto de forma equitativa.
Dessa forma, caso não seja possível a solução amigável do conflito, sempre é possível bater às portas do judiciário, tendo em vista que há fundamento jurídico robusto para se pleitear, em razão da pandemia, tanto a diminuição temporária do valor dos alugueis, como a resolução do contrato sem imposição de multa.
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